terça-feira, 12 de março de 2013

Não havia biblioteca pública no Brasil

OS LIVROS FICARAM ESQUECIDOS NO CAIS, EM MEIO À LAMA QUE TOMAVA AS RUAS DEVIDO À CHUVA DO DIA ANTERIOR
Salomão Larêdo, escritor e jornalista



Em homenagem às amigas e amigos bibliotecários – verdadeiros guardiões do livro e incentivadores da leitura – resolvi relembrar a figura do arquivista real Luiz Joaquim dos Santos Marrocos - que era bibliotecário, descendia de gente ligada à arte, à cultura e, sobretudo aos livros, em Portugal e também como documento comprobatório de que educação, cultura, biblioteca, livro e leitura sempre são – apesar de importantíssimos investimentos para quem quiser se desenvolver - relegados a terceiro plano e isso não é uma prerrogativa destes tempos pós-modernos, como diriam, vem de “longes-datas”.

No livro 1808 – que conta a mudança da Família Real portuguesa para o Brasil-, o jornalista Laurentino Gomes, em sua investigação jornalística mostra ( p. 73 a 76) que, “[...] Naquela manhã luminosa de novembro de 1807, espalhadas pelo cais do porto de Lisboa ficaram centenas de bagagens, esquecidas no tumulto da partida. Entre elas, estavam os caixotes com a prataria das igrejas e os livros da Biblioteca Real. A prata seria confiscada e derretida pelos invasores franceses. Os livros da Real Biblioteca, que incluíam a primeira edição de Os Lusíadas, de Camões, antigas cópias manuscritas da Bíblia e mapas ainda em pergaminho, só chegariam ao Brasil mais tarde, em três viagens consecutivas: a primeira em 1810 e as outras duas em 1811. Numa delas estava o arquivista real Luiz Joaquim dos Santos Marrocos, personagem cuja vida os acontecimentos de 1807 mudariam radicalmente[...]”


Livro: 1808 de Laurentino Gomes


No capítulo 6 “o arquivista real”, Laurentino Gomes, o autor do “1808” conta que no “ [...] final do outono de 1807, enquanto as tropas do imperador Napoleão se aproximavam da fronteira de Portugal, o arquivista Luiz Joaquim dos Santos Marrocos tinha a vida suspensa entre duas cidades – uma no passado e outra no futuro. Aos 26 anos e solteiro, morava com a família no bairro de Belém, e Lisboa, a capital do ainda vasto império colonial português, exótica e oriental, repleta de mercadores árabes, chineses, indianos e negros africanos. Dentro de três anos, estaria no Rio de Janeiro, a capital do Brasil colônia, uma cidade fervilhante de novidades, porto de reabastecimento e parada obrigatória dos navios que cruzavam os oceanos rumo às terras distantes da África, da Índia e da recém-descoberta Oceania.”

Narra Laurentino que “em Lisboa, Luiz Joaquim e o pai, Francisco José, eram funcionários do príncipe regente D. João e trabalhavam na Real Biblioteca portuguesa, uma das mais extraordinárias da Europa, situada num pavilhão do Palácio da Ajuda. Seu acervo, de 60.000 volumes, era na época vinte vezes maior do que o da Biblioteca Thomas Jefferson, do Congresso americano em Washington, considerada hoje, duzentos anos depois, a maior do mundo. Ali, os Santos Marrocos respondiam pela tradução de obras estrangeiras, pela catalogação e guarda de livros e documentos raros”.

Continua o mestre Laurentino: “essa rotina de trabalho e dedicação silenciosa aos livros foi interrompida de forma abrupta na última semana de novembro quando Marrocos recebeu ordens para encaixotar às pressas o acervo da biblioteca e despachá-lo para o cais de Belém, onde os navios da frota portuguesa aguardavam o embarque da família real para o Brasil. Foram horas de angústia e incerteza. Com a ajuda de seus colegas bibliotecários e oficiais da corte, Marrocos empacotou todos os 60 000 volumes e despachou-os para o porto, em carros puxados por mulas e cavalos que disputavam as ruas estreitas de Lisboa com centenas de outros carregamentos rumo ao mesmo destino. A correria foi inútil. No tumulto da partida, todas as caixas com os livros ficaram esquecidas no cais, em meio à lama que tomava as ruas devido à chuva do dia anterior.”


Fonte: www.revistacultura.com.br

Informa Laurentino que “dois anos e meio depois, em março de 1811, o próprio Marrocos embarcaria para o Brasil, com a missão de zelar pela segunda remessa dos livros da biblioteca. Chegou ao Rio de Janeiro em 17 de junho, dias antes do seu aniversário de trinta anos. Nos dez anos seguintes, manteve uma correspondência regular com o pai, Francisco José, e com a irmã, Bernardina. Foram ao todo 186 cartas que, guardadas até hoje nos arquivos da Biblioteca da Ajuda, transformariam o arquivista num personagem importante para a história do Brasil e de Portugal. Essa correspondência de mão única – uma vez que não se tem notícia das respostas que Luiz Joaquim teria recebido no Rio de Janeiro – é considerada uma das fontes mais preciosas dos pesquisadores que estudam esse período da história brasileira. São relatos simplórios, de um cidadão comum que testemunha as enormes transformações que portugueses e brasileiros experimentaram nos treze anos em que a família real permaneceu no Rio de Janeiro. As intrigas na corte, a mesquinhez da burocracia e a dura realidade da escravidão aparecem de forma crua nas cartas de Marrocos, como num retrato instantâneo e sem retoques, sem o filtro dos documentos e relatórios oficiais”.

Biblioteca do Palácio Nacional da Ajuda, Portugal, Lisboa.

Na continuidade da leitura, o jornalista explica que a família Santos Marrocos “pertencia a uma elite de funcionários e burocratas ligados à cultura e ao saber” e por aí vai. Procure ler, pra saber e entender a história da leitura no Brasil.

Nesta data dedicada ao profissional bibliotecário vale ressaltar sua importância no plano da cultura mundial. Que dera pudéssemos contar, no Pará, com esse utilíssimo profissional em todas as bibliotecas e que elas estivessem em todos os rincões deste Estado continental que é o Pará e que as condições de trabalho, a remuneração, o espaço físico, o acervo, fossem os melhores. Mas, com o empenho de cada cidadão, conseguiremos esse objetivo que fará nossa gente leitora e as consequências positivas dessa ação política.

Lidiane Souza, Bibliotecária.

Nenhum comentário: