quinta-feira, 7 de maio de 2009

O CABOCLO PARAENSE ENSINA AO MUNDO

Salomão Larêdo escritor e jornalista

Quem diria, o caboclo paraense passa a ter seu ethos copiado pelo mundo. Aquele jeito especial de ser, de viver, antes descriminado, recriminado e objeto de preconceito e até de descaso e de crítica, passa a ser observado como um dos meios de que o homem necessita à qualidade de vida longeva.
Como explicar a preguiça macunaímica cabocla, a impotência, a resignação de morar na ilha e fazer do terreiro encharcado a avenida e do miritizeiro roliçando entre as casas, tudo de fibra ótima, a conexão com o doce nada fazer. A pilotagem no casquito na tariação de horas atrás de uma jatuarana entre os porroncas, despreocupado com relógio, desodorantes, portabilidades, celulares, ginecologista, locação de filmes e a grana pra pagar o plano de saúde, prestação da casa própria, bolsa faminta, o lanche no MacDonalds.
Quem podia imaginar que o modus vivendi do caboclo cametaense servisse como modelo ao mundo! Vida simples na ilha com suas implicações,limitações - do ponto de vista do consumo e do conforto capitalista - , é não ter nada, vida desqualificada, sem luz, água tratada, sem telefone, geladeira, bens de consumo como a revista que mostra a tendência da moda, o que dizem os filósofos da escola de Frankfurt , o texto que brota de um pós doutorado, nada servem ao caboclo, ele não sabe nem falar disso porque seu mundo é feito do nada para o nada ou ,melhor, do tudo para o tudo.
Comenta o professor Danúzio Pompeu: “o índio na cultura cametaense foi assimilado, dando origem ao genuíno caboclo cametaense ou cametauara, aquele que toma açaí na cuia, depois revista o espinhel e dorme sobre o tupé, De sua influência ficaram certos hábitos como dormir na rede e o vocabulário”.
O que ontem, para os grãnfinos e estudiosos, pesquisadores e toda a academia, era índole preguiçosa herdada do índio e do africano hoje se mostra como o caminho, a direção, a terapêutica certa para o homem viver mais e melhor, sem os estresses da vida contemporânea.
Ah e nós que pensávamos que éramos cerebrais , que nos julgávamos os certos e o caboclo ribeirinho, um doente indolente,medroso, dorminhoco, desambicioso, conformista, era um errado, coitado, que não aspirava vida melhor!
Quem nos dera ter essa índole: acordar com a preamar do rio Tocantins, ouvir centenas de sons da mata, o espocar das frutas da seringueira, o doce estalo dos japiins e o cheiro do vinho de açaí e do camarão frito posto nos pratos no assoalho de pachibas, aquilo que chamamos mesa e ficar horas naquela comilança que só acaba quando tudo termina e recomeça na janta que ainda se vai pescar após a sexta longa entre redes que se tremilicam na hora dos prazeres que os filhos darão quando anunciarem que vieram ao mundo para continuar a identidade cabocla, mesmo sendo doutores.
Ah, o Fórum Social Mundial veio comprovar in loco esse conhecimento, esse saber cientificado e registrado pelo homem amazônida de que o viver é muito simples, não carece de shoppings, de grifes, de pastas de dente, de espuma de barba, dietas e academias.
De que um tapiri é abrigo palaciano suficiente e que o ar refrigerado é a própria brisa que balança a rede por não haver paredes que impeçam o ir e vir do vento lento e macio das noites unidas e quentes de chuva ou de sol escaldante.
Ah vida desprovida e provida de tudo no gostoso samba de cacete na festa de são Benedito na presença ns desobrigas ou na participação política nas comunidades de base e aí se identificam a solidariedade no mero assovio dentro do mato em que eles varam para acudir um ao outro ou na hora de lavar o morto e providenciar o caixão para o enterramento na liturgia dos remos dentro d’água fazendo a marcha do adeus na sinfonia dos ritmos.
Eles querem a Amazônia para fins de ter mais e consumi-la Nós queremos ser nós mesmos, caboclos, gente. E então, um outro mundo é possível?
O mundamazônico pra nós, já é possível e existe há muito e ninguém queria ver, só caçoar, zombar do nosso jeito caboclo desconfiado, de nossa entrada ressabiada nas coisas, dum comportamento que não comporta a vida cosmopolita de falsa roupagem.
Caboclo é aquele que sabe viver a vida dela carecendo de tão pouco para viver tão bem! Eis um segredo que sempre viveu escancarado e não queríamos ver ou se víamos não queríamos compartir porque negávamos a nós mesmos e nossa caboquice em nome de uma falsidade e de uma hipocrisia que leva as pessoas a entupirem consultórios a fazerem prosperar farmácias e drogarias com seus problemas d’alma.
Caboclo sempre teve tudo num simples jirau. Devemos aprender de nós mesmos de nossa simplicidade a viver melhor e a defender o que é nosso. E ensinar, repartir com o mundo nosso saber, é um direito e um dever. Certamente já tem algum esperto querendo envasar esse modo de vida e patentear para fazer fortuna no comércio consumista a que somos submetidos e pressionados .
Depende de nó outro mundo possível. Queremos ou não viver como somos, mero caboclos, sabíamos sujeitos do mato que sabem viver a vida entre piadas e galhofas, de bubuia, na preguiça benfazeja?
Sim outro mundo pra nós já é uma realidade. Eles esqueceram que existíamos. Mas,
agora, como diz o garoto da rabiola, da curica e do papagaio: lá se vem eleeeess !!!!

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