quinta-feira, 2 de abril de 2009

É O AMOR NOS TEMPOS DO CÓLERA*

COMEÇA SALVAR-SE O PATRIMÔNIO CULTURAL CAMETAENSE?

Salomão Larêdo escritor e Jornalista
Especial para o Magazine

Não é referência ao livro quase homônimo do escritor colombiano Nobel de Literatura de 1982 , Gabriel Garcia Marques – O amor nos tempos do cólera – e, sim o amor, a consciência cultural e o profissionalismo das técnicas do Sistema Integrado de Museus e Memoriais – SIM – que foram salvar , em Cametá, a imponente e importante tela “Cólera Morbus” - , feita em 1858, por Constantino Pedro da Mota Chaves, retratando a grande epidemia do final do século XIX quase dizimando aquela cidade sob o olhar de seu filho cametaense Ângelo Custódio Corrêa, presidente da Província do Pará que também morreu vitimado pelo cólera contraído em Cametá - que se deteriorava em meio as goteiras no prédio onde por muitos anos funcionou o Museu Histórico da cidade.
Cametá, nesse sentido é quase Macondo - a aldeia do livro “ Cem Anos de Solidão” com que Gabo ganhou o Nobel, em 1982 - , se não se apressar em preservar seu enorme patrimônio histórico e cultural, também lingüístico. Cidade que já foi capital de Belém assiste desaparecer suas primeiras ruas tragadas pelo rio Tocantins, e, se não fosse a competência da equipe do SIM/Secult , liderada por sua diretora Renata Maués que é expert em restauração, estaríamos hoje também sem esse móvel memorial de nossa identidade.
Há alguns dias Renata Maués, diretora do SIM, a diretora do Museu de Arte Sacra de Belém , Zenaide de Paiva e a técnica em conservação e restauro Alcione Ribeiro, às expensas do governo do estado, viajaram até Cametá e durante três dias avaliaram a situação da tela em questão e deram conta da tarefa: salvar aquele patrimônio.
No antigo espaço fétido e impróprio que abrigava o museu,as técnicas começaram o processo de higienização da tela reatando ao chassi que estava se despreendendo. Depois, procederam a retirada da tela da moldura encupizada , fazendo o faciamento na lona para evitar que a policromia se perca.
Tarefa árdua em razão da ausência de suporte material inexistente em Cametá, porém, ao cabo dos três dias, a tela estava bem acondicionada e pronta para ser transportada para novo espaço destinado a abrigar as peças do que poderá ser novamente o Museu Histórico de Cametá.
Presentemente Renata explica que está procurando estabelecer os termos do convênio entre a Secult e a prefeitura Municipal de Cametá para que seja assinado pelo titular da Secult, Edílson Moura e pelo prefeito de Cametá Waldoly Valente, documento de cooperação técnica para que , em primeiro lugar e de forma urgente, seja feito o transporte da tela com todo o cuidado e precaução, de Cametá para o laboratório de restauro da Secult, em Belém.O atual dirigente do MHC, folclorista Manuel Valente, confirmou à Renata Maués que a tela foi finalmente transferida paro espaço do atual museu, o prédio da antiga Câmara, reformado.
A restauração da tela demandará, calcula Renata, entre oito a onze meses a um custo está sendo calculado para orçamento que terá a participação do Governo do Estado e a contrapartida da Prefeitura de Cametá.
É vontade da diretora do SIM - Sistema Integrado de Museu e Memoriais-, que a tela, após restaurada, fique exposta no Museu do Estado do Pará, em Belém durante três meses e depois siga para integrar o acervo pictórico do Museu Histórico de Cametá que deve passar por uma completa readaptação e remodelação em sua estrutura física e administrativa com espaço para tratamento das peças, muitas hoje,conforme se ouve falar, espalhadas em diversos locais de particulares, na cidade, justamente por absoluta falta de espaço condigno para abrigá-las no antigo prédio do museu.
Levantamento e sistematização das peças e de todo acervo será feito e deverá ser publicado catálogo de tudo que foi restaurado. Embora haja notícias de que muito material tenha sido extraviado, os técnicos têm esperança de recuperá-los integrando-os ao patrimônio cultural dos cametaenses.
Muito embora ainda vá ser feito o teste de pigmentação, a tela, para a restauradora Renata Maués, pintada por Constantino Chaves, foi feita a óleo. Informa também que a história do artista pintor e da tela já está sendo levantada. Calcula que em Janeiro de 2010 a tela deverá ser exposta em toda a sua beleza, em Belém.
O museu de Cametá durante muitos anos foi dirigido pelo santeiro, escultor , pesquisador e historiador Raymundo Penafort, homem sério que fez todo o possível para manter funcionando, mesmo sem recursos e sem apoio, o museu. A dedicação e o zelo de Penafort fizeram Cametá ainda ter esse museu. Mas, infelizmente Penafort morreu e o museu – inobstante todo o cuidado das demais direções e funcionários – ficou em situação de indigência devido a total falta de apoio e recursos. O prédio deteriorando e cheio de goteiras, tornava o local insalubre, colocando em permanente risco quem ali trabalhava e as peças carentes de cuidado.
Felizmente após muita pressão – de quem se preocupa com o estado da cultura cametaense - , o poder público destinou espaço mais condizente para abrigar as peças do museu, precisando de orientação que agora o SIM pretende suprir uma vez que é desejo da Secult, proceder acertos para que os museus municipais do Pará façam parte do Sistema e recebam orientação técnica ao seu funcionamento, e, claro, todos, continuarão sendo patrimônio do povo de seus respectivos municípios.
Confesso ao leitor, particularmente, que, como cametaense da Vila do Carmo, escritor e cidadão do mundo, sofri e me indignei muito com a situação do Museu Histórico de Cametá. Faz-se necessário mais responsabilidade e cuidado com o que resta da cultura quatrocentona de Cametá , fundada oficialmente a 24 de dezembro de 1635 , mas já existente pelas mãos dos bravos Camutá desde 1612, portanto, antes mesmo da fundação de Belém e sempre carente de recursos, tendo em seu rico patrimônio, tudo para ser uma cidade que possibilite aos seus moradores o viver dignamente como ser humano através do aproveitamento sócio-econômico de sua grandiosa cultura: o casario antigo, a fala cametauara, as danças, os costumes, tradição, cozinha, a arquitetura, política, nomes ilustres, a história do Pará feita e ali vivida, tudo pode ser explorado economicamente em proveito de todos de uma maneira diferenciada do que costumeiramente faz o consumismo neoliberal mecânico, perverso e sem fruição para os verdadeiros atores e sujeitos de sua vida e do que é seu. O povo cametaense pode fazer isso sacudindo a poeira do atraso a que historicamente se deixou submeter por ainda não ter assumido para aproveitar , a seu favor, sua história, sua identidade, sua identificação e a sua significativa cultura.

*Cólera Morbus – Nome da epidemia que assolou o Norte do Brasil, em 1855, destacando-se, Belém e Cametá, pós revolução social do povo paraense, a Cabanagem - 1835 a 1840 - . Para saber mais,dentre outros, consultar: “Cólera, o flagelo da Belém do Grão Pará, de Jane Felipe Beltrão; Rayol, Domingos Antonio – “ Motins Políticos...” e Salles, Vicente, “Memorial da Cabanagem”.


O texto acima saiu em forma de matéria - adaptada e sintetizada para o espaço do jornal - publicada na capa do caderno MAGAZINE, do jornal O LIBERAL , edição de domingo, 04 de janeiro de 2009, com o seguinte título: Patrimônio dos tempos do cólera”, que se pode ler abaixo, a seguir:

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