quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

MUNDIAÇÃO CAMETAENSE PELA FOZ/VOZ CABOCA SEDUTORA

Leia abaixo, o texto do escritor e jornalista Salomão Larêdo que faz parte da sua apresentação ao vocabulário terminológico da profa. Odaisa Oliveira.


MUNDIAÇÃO CAMETAENSE PELA FOZ /VOZ CABOCLA SEDUTORA

Salomão Larêdo

Quem passa por Cametá sente a força da atração, fica imediatamente mundiado pelo mistério que se plasma num encantamento comum e natural do cametauara , envolvido pelo cheiro cheiroso que chega remixado entre pitiús das águas maparásaviúnicastocantinas e os odores das folhagens, ervas, raízes da mataria do entorno, protetora das simpatias do ser especial que habita a cidade e o município mais antigo do Baixo-Tocantins: o homem e a mulher de Cametá. 

Não existe gente mais alegre,amiga, bonita, sedutora e que deixa o outro cheio de desejo por seu odor, cor da pele,poesia no andar e no ardor; não há povo mais feliz, simples e amoroso que o cametaense. 

Contudo, o que mais exerce o poder de encanto é a fala, o dialeto cametauara, a musicalidade pronunciada entre hálitos e hábitos lingüísticos que soam e sopram nos ouvidos e aí, éfeta, você está aberto às relações sociais, pronto, apto, curado, nunca mais esquece a bela e fogosa Cametá, fica fisgado e visgado, pregado atavicamente a esta deliciosa gente ao chão dessa sociedade prenhe da história amazônica de lutas e devoções de festas de santos e encantados do fundo dos rios, peráus de palácios, aqui, texturas de vozes buiadas das profundezas que ecoam evocando arquiteturas narrativas, construções orais divulgadas com prazer estético e poético pela atriz cametauara Natal Silva raptada do sitio à cidade de que nos fala Ítalo Calvino; encantados da mata que têm o predicado do afeto, das confrarias amorosas nessa irmandade da estima, povo vigoroso, sangue cabano que faz revolução social e cultiva nas entreilhas e nas entrelinhas da estima, a fervura dos índios tupinambá na sua expressão camutá que há quase 400 anos defende o Baixo-Tocantins de qualquer tipo de dominação que venha a tentar sujigar seu ethos com determinação opressora e repressora de quem quer que seja e para que fim deseje, a fala é uma defensa, uma estaca de acapu , esteio de maçaranduba, aquariquara contra o raptor, o mau-olhado e os quebrantos intelectuais com nascida, pustema, pereba , rasgadura e corso.

E por isso, entre balaustrada de açaizeiros, estivas de miritizeiros surge o pontificado do parente identidade identificadora de um falar próprio, diferente e bonito demarcando o terreno desde Igarapé-Miri, até Muru, nas ilhargas hidreletricadas de Tucuruí, mantendo um sotaque que ao abrir da boca, ao espocar da palavra, sabe-se: é caboclo cametauara, é gente de Cametá, é papamapará, é pessoal poliglota porque dizque, cumantão, se exprime em outros idiomas: a língua brasileira, a fala paraense, o sotaque amazônico e o dialeto cametaense. Quer algo mais universal que isso ? 

A professora e pesquisadora Odaisa Oliveira também foi mundiada por Cametá e sua gente e seu jeito e seu modo e cuida de registrar o que a geografia do falante a morfologia do vivente daqui faz obra e oblação e na seqüência serial de outros trabalhos, digamos, etnográficos que preparou, surge esta produção do vocabulário terminológico cultural da Amazônia paraense: com termos culturais da área de Cametá, subentendendo-se área, aqui, todo o contexto sócio-geográfico e político, que começa em Abaetetuba e se derrama quase até Marabá, subindo e descendo, como o rio Tocantins, no fluxo e refluxo e defluxo da maré, força das águas, pujança do rio que vem roendo o espaço-cais-cametá, sem poder nunca acabar-lhe porque qual Penélope, inicia e recomeça e principia e pia , reclama e volta e retorna e retoma com prazer uma sintaxe para que se entenda o léxico que a representação simbólica das narrativas populares da Amazônia Paraense como linguagem de informação quer apropriar como um resultado significativo que a Universidade Federal do Pará vem promovendo dentro de sua missão identificativa da cultura e, qual os termos judiciários, dessanefar nichos de termos (sintermos) culturais que a comunidade ribeirinha planta e cultiva com a saliva também de povo da floresta, cabanoágua, fluvigente, povo da água, aguapovoado, aquarigente, fluviários caminhos da cultura popular entretida nos aturiás e aningais dos quilombolas e que acumulam palavreado inventado e inventariado pela sapiência de gerações que apesar de sujigadas e de toda vicissitude, manteve firme, através da fé, do mito e da crença,os seus costumes, suas lendas e narrativas tufadas de histórias fantásticas que explicam a grandiosidade desse povo valente e destemido, ainda que temente respeitador da visagem, do lobisomen, da matintaperera, povoboto e botopovo, genteboto, gente bota gente e gente que bota povo e povoa com os orvalhos e ovários os úteros mergulhados em inhacas que atravessam nas canoas seduzindo outras margenspáginas, remandodeslizando no dorso da cobragrande e despeja na bacia os cios da noite os cios do rio os ciscos estercados que o sirimbabo faz no tijuco, ciscando e cismando com as arrudas viçosas plantadas nos adubos de caroços de açaí apodrecido nos pairés, a comidia que o boto-gente bota na proa da dissimulação e sai caçoando entre assobios que o chapéu encobre e o furo da cabeça esguicha preguiça na esfumacenta manhã de amores-pajelança lançante maré de marçoabriljulhosdezembros de seu discurso na atividade humana do interrelacionar-se. Oh, fala!!

É bonito ver a doutora Maria Odaísa e sua equipe com a seriedade científica, estar entaniçada de tanto termo que a gente – Mocbel, Doriedson, Danúzio, Bené, Luis Peres, Celeste Pinto, Marlene Assunção, Sebastião, Dmitrius, Silvia, Cupijó, Lenira, Izabel, Manoel, Cassique, Regina, Gilmar, Malcher, Pompeu Braga, para citar uns suprimos - fica numa sintirmice que não tem tamanho. 

É sempre preciso vir nutrir-se,buscar numa das mais importantes e antigas cidades paraense, o caroço de tucumã com que o dia começa e se tem a noite das anunciadas anunciações e alucinações de pajelanças cumpridas e compridas como as mangas dos candeeiros curtindo as ânsias , faróis de boiúnas a soletrar aguardente para noratinho juaba negro quilombola mola mocajuba viladocarmo e trabandas e marinteuascarapajósinachas acha de lenha no fogo do munguzá e faz sarrabullho do sanguecaldo do porco assado pra encarnar um santo preto que traga as danças e festas sambas de cacete , bangüês,cúmbias e merengues de gengibirras com lanzudas prosas de língua como processo de expressão da vida cabocla, raiz e origem.

O falar cametaense é um modo de resistência à homogeneização que a indústria cultural da globalização impõe nestes tempos pós-modernos. Qual é a língua que falamos aqui na Amazônia ? Qual a que falamos em Cametá ? É a língua que inventamos que contém tudo que nos identifica e essa maneira diferente diversa e que tem sido motivo de risos , deboches e caçoadas que deixavam o caboclo falante, mudo, sem fala, esse falar, essa linguagem popular teria influência francesa dos delatuche que interditava a comunicação, que silenciava, felizmente foi mantida e hoje também estudada pela academia, rende também este trabalho precioso que a professora Maria Odaisa reconhecidamente engloba em sua percuciente investigação, num labor sempre carregado de dificuldades para quem se arvora, sem pavulage, a fazer ciência , a se enfronhar na pesquisa, a criar uma episteme amazônica.Temos uma fala regional ! Vocábulos se assanham. É o pós-parto, a fruição do prazer pelo que decorreu dessa dor de gestar e parir o fruto, a semente numa semântica de experiência pessoal e coletiva: fizemos, aqui está !!

Peço ao rezador para dar uns passes na cabeça da academia para que se faça presépios e cosmoramas e se observe percebendo o homem e a mulher nativos deste espaço, valorizando o que é nosso.

Mesmo sob forte fogo midiático globalizado padronizado com toda propaganda maciça que entra nos tapiris do Baixo-Tocantins por meio da parabólica quer abolir e parar o Pará, profanando e poluindo a nossa fala, agredindo nossos ouvidos querendo desletrar o siriá e desmusicalizar o samba de cacete, dilacerando o bangüê, o caboclo mesmo pressionado, não substitui o açaí pela coca-cola, o araçá pela tâmara, o ailoviu pelo aviu.

Festas, foguetes, benzeções, ladainhas, responsos, pajelanças xamânicas, batismo, crisma e cisma do bispo e casamento religioso com efeito civil ou com qualquer outro efeito ou feitio, o caboclo topa com a igreja e vai se defendendo de todo tipo de aculturação que quer se impor diante de sua espontânea fala.

Quem revista cacuri também olha shopping; quem apita na garrafa anunciando mapará no porto agora usa celular para ser retratista lambe-lambe da comunicação do presente, retrato em branco e preto de mastro de santo, paumadeira ibamada ou não certificada, que vai e vai...

Deste e neste chão cametauara, provindo da Vila do Carmo,sou um encantado com a mundiação que a professora Maria Odaisa Espinheiro de Oliveira processa e que vai repercutir como o cheiro do tucupi e arder como a pimenta de cheiro do tacacá no tempo certo para que corações e mentes façam valer a bravuracabana e tragam de volta um tempo de feliz humanização em que todo ser era encantado pelo afeto de saber o outro, sujeito e predicado de uma vida mais feliz !

A professora Odaisa Espinheiro não poderia passar impune por Cametá, pelo Baixo-Tocantins sem ficar indelevelmente breiada, tisnada, açaizada , marcada – para sempre – pelo mistério cametauara, daquilo que naturalmente imana daquela terra de bivalvos cobiçados, do amarelo-ouro da casca do cacau-pivide que vai dar um bom chocolate com gema de ovo e farinha de tapioca para a sustança de que se precisa para aguentar o tranco uirapuresco de seu povo que exala sedução e faz comichão corporal gozoso e generoso. Credo ! Uai, sumano quem lhe cuntu semelhante cuisa ? 

Agora sim, o vocabulário terminológico da Amazônia inicia seu “veldadeiro” círculocircuito. Agora a UFPA começa seu processo autêntico que é entender e falar fluentemente a fala das gentes das águas dos rios, multirios, presentificando-se em nossa rica cultura popular. 



Parabéns professora Odaisa Oliveira, por mais esta pérola que você produziu - e me pede para apresentar - e que salta do bivalvo tocantino, concha aberta aos que gostam de se abeberar direto, na fonte em que você, correndo terra, foi buscar toda essa imensa riqueza. Parabéns Maria Odaisa pela pepita de ouro que é este livro que brota das entranhas cametaenses da cultura dos povos amazônicos e segue para o uni-verso da maré cheia de significados.

Um comentário:

odaisa disse...

Meu amigo Prof. Salomão Larêdo
É muito bom poder ler "Mundiação Cametaense pela foz/voz cabocla sedutora" e aprender tanta coisa sobre Cametá.
Obrigada por fazer a apresentação do livro da coleção Vocabulário Terminológico Cultural da Amazônia Paraense: com termos da área de Cametá.
Desejo a você e sua família, um FELIZ NATAL e PRÓSPERO ANO NOVO.
Um grande abraço
Odaisa Oliveira