segunda-feira, 10 de junho de 2013

O grande Gatsby (The great Gatsby) Livros pra macho

Por Filipe Larêdo

O que faz de um livro um clássico?

Já me fiz essa pergunta diversas vezes. Pensei, assisti a palestras e conversei com outras pessoas, mas até hoje não consegui encontrar uma resposta lógica que consiga definir essa dúvida. Talvez seja melhor assim. Não gosto muito que a literatura — ou a arte das palavras — seja rotulada, pois isso padroniza algo inerente e individualmente distinto.

O mais próximo que se pode chegar de uma definição é o tempo. Ele é o responsável pela maturação da obra, já que, passados alguns anos ou séculos, as pessoas terão condições de pesquisa-las e analisa-las com mais tranquilidade, e verão que méritos existem em determinado livro.

Vejamos um rápido exemplo disso: Shakespeare, em sua época, era um ídolo pop. Todos liam suas obras e, quem não possuía a habilidade, tinha acesso por meio das encenações teatrais. Com o dinheiro que conseguiu, comprou imensas propriedades. Então, o que naquela época poderia se encaixar na definição contemporânea de cultura popular, tornou-se um clássico sem que as pessoas percebessem. Em comparação à popularidade, e guardadas as devidas proporções internéticas — que distribui informação de forma maciça e imediata — ele seria uma J. K. Rowling ou um George Martin do século XVI.

Esses três parágrafos iniciais serviram, basicamente, para tentar mostrar que a literatura clássica não é facilmente definível, dada a quantidade de estilos nos quais a arte pode enveredar. Alguns livros são pequenos e complexos. Outros são imensos e simples. Poucas palavras, na forma de poesia, podem mudar completamente a vida de uma pessoa. E foi com menos de duzentas páginas que O grande Gatsby alcançou densidade suficiente para carimbar sua entrada no panteão dos melhores de sua época.


O clássico americano

Tudo começa com Nick Carraway, descendente de uma estirpe abastada de duques de Buccleuch, que havia se formado recentemente na Universidade de New Haven e se muda para West Egg, uma pequena cidade próxima a Nova York, para tentar novos negócios distante da família.

Como moradia, ele encontra um bangalô próximo a imensa propriedade do misterioso Jay Gatsby, personagem que emprestará seu nome para o título da história. Ele é jovem e, segundo a narrativa, muito rico, porém, a origem de suas posses não fica claro no decorrer da trama, o que abre espaço para o leitor desconfiar que elas provém de negócios escusos.

Esse ambiente misterioso em que a leitura é guiada foi muito bem abordado pelo autor, Scott Fitzgerald*, e seu principal artifício é usar o próprio Nick Carraway como narrador da história. É ele quem vai não apenas presenciar o desenrolar dos acontecimentos, mas também participar ativamente. Dessa forma, o autor consegue transmitir para quem lê o clima de desconfiança que o personagem/narrador sente a cada virar de página.

Mas esse não é o único trunfo de Scott Fitzgerald. Ele consegue, com facilidade e leveza, transportar o leitor para o típico cenário boêmio dos Estados Unidos de 1920, e a sensação que se tem é a de que um filme está sendo transmitido no meio das letras, usando o jazz como a trilha sonora perfeita. Porém, a leveza à qual me refiro termina por aí, pois, a partir de agora, apenas drama prevalecerá nessa história trágica.

Embora viva em um bangalô alugado dentro da propriedade de Gatsby, Nick Carraway demora um tempo para conhecer seu locatário. E quando isso ocorre, descobre que os dois têm mais relações do que se pode imaginar. Isso porque, no vilarejo vizinho, East Egg, mora uma prima de Carraway, Daisy, por quem Gatsby já foi profundamente apaixonado. Entretanto, o relacionamento não pôde continuar por conta de Tom Buchanan, o pretendente rico e bem sucedido que tomou seu lugar e transformou sua amada em uma tola dona de casa, seguindo as regras estabelecidas na época.

Com a presença de Nick Carraway em sua propriedade, Gatsby pode reviver o romance antigo, já que Daisy está infeliz com seu casamento e sabe das traições do marido com Myrtle Wilson, personagem chave da tragédia que vai concluir o livro. Daisy decide então que merece sentir as mesmas emoções de quando era mais jovem e começa um tórrido caso amoroso com Gatsby.

Uma rede de traições se forma e o anúncio de um fim trágico vai tomando conta do que antes parecia ser uma simples história de amor. Entretanto, se Scott Fitzgerald terminasse uma de suas obras-primas contando uma história tão simples, ele provavelmente não seria conhecido pro nenhum de nós.

O que o destacou como um dos maiores autores de todos os tempos foi fazer com que a catarse literária fosse liberada de forma direta na relação livro/leitor ao mesmo tempo que introjetou suas críticas sociais.

Leonardo DiCaprio interpreta Jay Gatsby na nova adaptação para o cinema

Fitzgerald retratou com maestria uma sociedade burguesa fútil e hipócrita, sem compromisso com valores éticos e morais e que aceita manipular seres humanos – e seus sentimentos – em vista de interesses egoístas.

Com Gatsby, ele mostrou a solidão de um homem que constantemente celebrava festas em sua mansão e que estava sempre rodeado de centenas de pessoas, mas não pode concretizar o seu maior sonho. E mais do que isso, um homem que se tornou rico misteriosamente, mas que não conseguiu ser aceito em um mundo onde as tradições conservadoras não permitem mudanças tão rapidamente.

Como toda grande obra literária, a verdadeira reflexão está dentro de cada um de nós. Com ela, o leitor pode perguntar a si mesmo quais são os limites morais para alcançar seus objetivos, até onde ele chegaria para conquistar vitórias. E o mais importante, qual o valor dessas vitórias. Essa busca nos fará perceber que o ser humano aceita sacrificar os sentimentos alheios para satisfazer seus desejos, os quais, muitas vezes, são bem menores do que os danos.

Mas isso não importa, pois, como disse certa vez um poeta: “O que os olhos não veem o coração não sente”. E isso, os personagens Tom e Daisy Buchanan podem ensinar com excelência.

*Francis Scott Key Fitzgerald (1896-1940) foi um escritor, poeta e roteirista norte-americano. Suas obras são consideradas como os mais importantes retratos de sua época, mostrando fases muito importantes da história de seu país, incluindo a I e a II Guerras Mundiais e a grave crise econômica de 1929.
FILIPE LARÊDO

Filipe Larêdo é um amante dos livros e aprendeu a editá-los. Atualmente coordena o catálogo estrangeiro da Editora Novo Século (São Paulo – SP). É formado em Direito e em Produção Editorial.

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