sábado, 16 de março de 2013

QUANDO MAMÃE DIZIA: VOU LÁ EMBAIXO

Salomão Larêdo, escritor e jornalista

Não tínhamos geladeira no casebre que papai pode alugar e morávamos na Cremação, quando chegamos aqui em 1961, para estudar, de tal maneira que todo dia pela manhã minha mãe seguia pro Ver-o-Peso para comprar nossa comida. No geral, perto da hora da virada e trazia piramutaba embrulhada em folha de arumã e colocava num saco feito de papel de cimento e no outro, bananas já passadas, cupuaçu para fazer “vinho” que a gente tomava, pra render, com farinha e ainda lambíamos os caroços, poquecas de cheiro-verde com limão e punha tudo numa sacola feita de fios plásticos e se mandava pra parada e pegava os ônibus feitos de carroceira de caminhão e um de nós ía esperá-la na rua onde era o fim da linha do Cremação e seguíamos a pé, pra poder carregar a sacola e aí então, quase onze da manhã começava o ritual de fazer a comida. Tempo difícil. Essas passagens estão completas no livro “Histórias do Salomão” a publicar.


O que desejo aqui registrar, é a nossa linguagem, nosso modo paraense de falar, nosso sotaque amazônico que não devemos perder e com isso não estamos rivalizando e nem condenando ninguém com seu falar peculiar, linguagem e sotaques, apenas valorizando o que é nosso.


Fonte: www.skyscrapercity.com

Naquele início de vida em Belém, em 1961, muita vezes mamãe dizia que ia pra” beira da praia” e quando dizia que ia “lá embaixo”, os dois modos significavam que ela ia para aquele entorno: comprar alguma coisa na “quatro e quatro” no comércio na João Alfredo, Ver-o-Peso, praça do Relógio e muita vez, seguia pro Porto do Sal onde, nas embarcações, chegavam farinha e frutas que papai mandava e as cartas no geral, quem trazia era o seu Aranaí, uma espécie de imediato que viajava no navio dos SNAPP, que fazia o trajeto.

perfumedepequi.blogspot.com


Belém/Tucuruí/Belém. Isso estou contando com detalhes no livro “Terra dos Romualdos país dos maparás” a ser publicado ainda este ano.



O vinho de açaí Zuzu, nossa irmã de criação, fazia amassando no alguidar, no jirau e o gelo, a gente comprova na mercearia lá “do canto”, onde o português vendia, os pedaços e ajeitava na folha seca de arumã e aí a gente colocava na bacia, enchia de água pra todo mundo, democraticamente, se saciar e nunca nos saciávamos. O pão, chamado “cacete”, enorme, comprava-se um e se passava um nhaco de manteiga e o pão era fatiado conforme o número de pessoas tivesse em nossa casa, sempre cheia de parentes, primos, gente conhecida. Éramos televizinhos e o jornal, a gente lia, emprestado. A água, pegávamos sempre na torneira pública, numa rua distante, esperando a vez na enorme cobrinha. Tempos difíceis, que vencemos, graças a Deus!



Nenhum comentário: