É com alegria, prazer e orgulho que apresento ao amigo leitor, os primeiros livros com os quais comecei o meu
aprendizado de afeto e carinho pelo livro, leitura, conhecimento,
saber, em suma, amor pelo ser
humano, minha gente e minha região.
Foram nos
livros do papai e do tio Jaime que aprendi a anotar, a gostar de escrever, a
fazer narrativa, a contar histórias, a registrar fatos, igual como eles
procediam.
Faço constar aqui um pequeno
exemplo:
Lembram da crônica dos 50 anos
da nossa chegada a Belém que postei aqui neste blog dias atrás?
Agora você leitor pode, através da caligrafia de meu pai, verificar e comprovar esse registro feito com caneta-tinteiro. A arte da grafia, da letra desenhada, tracejada, pensada, do manuscrever, agora, nestes tempos pós-modernos, virou peça de memória. Felizmente, tenho como mostrar essa arte do carinho, primeiros caminhos do jornalismo informativo, que, com eles, aprendi, cedo.
Obs: O leitor pode fruir com mais vagar esses
registros – aqui apenas uma pequena mostra -
nos livros A Família Larêdo e Vila
do Carmo do Tocantins .
QUER SABER COMO SALOMÃO LARÊDO
TORNOU-SE ESCRITOR E POR QUE É LIGADO ATAVICAMENTE À AMAZÔNIA, AO LIVRO E À LEITURA E QUER AJUDAR A FORMAR LEITOR CRÍTICO E INSTALAR BIBLIOTECA EM TODA
PARTE?
No interior da Amazônia, biblioteca pública hoje ainda é um sonho. Imagine nas décadas de 1930/1940/1950?
Em 1935, tio Jaime constituiu, na
sua Casa
Feliz, no rio Trombone, em Cametá, pouco a pouco, sua biblioteca particular
e ouvindo o canto do Araçari e do Uirapuru, enquanto a maré enchia, maravilhava-se
com as narrativas dos livros de Machado
de Assis a Oscar Wilde, de Aluísio de Azevedo, a Raimundo Moraes. Quer saber mais? Leia o texto a seguir:
OS LIVROS DO TIO JAIME
E A CASA FELIZ
Corria o ano de 1935, tio Jaime Larêdo, depois de muita luta
e após ganhar experiência trabalhando com o comerciante e político cametaense Ivo
Gaia, conseguiu montar seu estabelecimento comercial no rio Trombone, que
serpenteava paralelo ao rio Paruru, e denominou de “Casa Feliz” , onde, eu, menino,
na década de 1950, passei muitas férias
agradáveis, feliz e sem imaginar que tempos depois irromperia o escritor que
sou e escreveria o romance que denominei de “Remos de Faia” , claro,
tendo essa “Casa Feliz, de Jaime Larêdo”,
como um dos cenários, o rio e a floresta como locação dessa narrativa cujos
personagens trazem carimbado o carinho e
o afeto existente naquela paisagem no âmago da Amazônia que eu tanto amo e procuro defender.
A “Casa Feliz”, plataforma de lançamento de minha vida literária
no sentido de ter feito lá, também, a minha
nutrição literária, sobretudo telúrica, abrigava, entre outros tesouros, um
maior, a biblioteca do tio Jaime , que ele chamava de “modesta” certamente por ter uns 300 exemplares que ele
pouco a pouco foi adquirindo, com dificuldade.
O que chama a atenção,
é a preocupação desse homem com a leitura, o conhecimento, o saber, a
informação, no meio da floresta amazônica, que, se nos dias atuais ainda é
desprovida de equipamentos básicos ao ser humano, como educação, saúde, saneamento, transporte, energia
elétrica, meios de comunicação e outros, imagine-se na época a que estou me
referindo.
E no meio dessa dificuldade – tio Jaime que seguramente deve
ter aprendido um pouco com seu pai, o meu avô Manoel Larêdo,
que era professor de matemática, e o resto amealhara , qual meu pai, o seu
irmão Milton Larêdo com seu autodidatismo
- esse sapiente tio Jaime, antes de mais nada, buscou
apoio nos livros, seus amigos, formando uma biblioteca, embarcação segura a lhe dar o suporte de que precisava; daí seu carinho com quem poderia contar a
qualquer momento e por isso, além
dos livros do acervo terem registro em caderneta
própria, tio Jaime também anotava os livros que efetivamente lia e a diversidade
fazia a diferença: filosofia, literatura, medicina, antropologia, direito, política, religiosos, didáticos, revistas etc., afinal, ele precisa saber, pois no
armazém naquele verde-vago-mundo, ele era marido, patrão, o padre (ajudando na época da desobriga, sua
casa virava capela às missas e o abrigo
do sacerdote), o psicólogo, o médico, o cirurgião (operou o José, meu irmão, que nascera
com a língua presa), o homem de
negócios, o amigo que todos estimavam e
confiavam – seu livro contém anotações de inúmeros afilhados que batizou - por
seu caráter e senso de justiça, valores com que conduzia a sua vida.
Examinando, após sua morte (14 de maio de 2001, aos 87 anos
de idade),seus livros de anotações,
verifico que leu, de Machado de Assis
a William Shakespeare, de Oscar Wilde a Victor Hugo, Aluisio de Azevedo, Rui Barbosa, Raimundo Moraes, Arthur
Porto, Humberto de Campos, José Lins do
Rego e tantos outros.
No período em que frequentei a “Casa Feliz”, no rio
Trombone (1955 a 1958), vivendo e convivendo com tio Jaime, minha madrinha
Nenem, o Expedito, filho de criação, a
Maria Gonçalves, a Maria Lúcia e um monte de agregados e empregados, ele sempre
ávido por saber, conhecimento e informação, já possuía fábrica
de sabão de cacau, procedia engarrafamento
de vinho tinto, adquiriu máquina de
fazer macarrão; utilizava gravador, manuseava
máquina fotográfica, walk-tolk, tinha motor de popa chamado penta, hoje rabeta,
geladeira a querosene, que, além de
fornecer a novidade da água gelada,
produzia o picolé que fazia a nossa
alegria (a casa sempre estava cheia de familiares e amigos) .
No oratório, próximo ao quarto do casal, todos participávamos
, às terças-feiras à noite, da novena do Perpétuo Socorro, irradiada pela PRC-5 Rádio Clube do Pará que se ouvia através
do aparelho que funcionava a pilha seca por onde ficávamos sabendo dos fatos noticiosos sobretudo no
campo da política na capital
federal, o Rio de Janeiro, e pelo Brasil ; a cotação de preços de couros e peles, além das narrações esportivas dos jogos entre os times do Remo, Paissandu, Júlio César,
Avante, Liberato de Castro, Tuna e as disputas entre as seleções do Pará e do Amazonas, ocasião em que vibrávamos no salão do casarão,
onde se misturavam os odores dos óleos e essências amazônicas armazenadas nos
camburões de azeite de andiroba e copaíba,
amêndoas como muru-muru e outras sementes oleaginosas cheirosas que comprava e
revendia em Belém, pra onde viajava atrás de aviamentos ao seu comércio no
interior cametaense e sempre trazia novidades em fazendas, louças e outras miudezas, sal, café, charque, bolacha, farinha, tabaco, remédios e outros produtos necessárias ao povo da
floresta e ribeirinho.
Tempos depois, tio Jaime pôde sintonizar outras emissoras andando por todo o casarão com seu rádio transístor, a
pilha. Bastava o mercado consumidor
lançar alguma novidade, Jaime
Larêdo fazia tudo para adquirir. Morava
no meio da floresta, à beira do
rio Trombone , mas procurava cercar-se de todo conforto e facilidade que a tecnologia oferecia,
inclusive um aparelho de frisar cabelo que deu de presente à sua mulher Urbana,
a querida tia Nenem.
Não tenho a menor dúvida, que, vivendo nos dias de hoje,
estaria cercado de toda parafernália tecnológica, pois era um homem moderno,
antenado com o que acontecia. Naquela época, em 1950,contemporâneo, já lia
livros de semiótica que encontrei
mencionado por ele entre os “livros que li”.
A leitura deu estofo
pra tio Jaime ser correspondente de
jornais e de revistas e colaborador da
Folhinha do Sagrado Coração de Jesus, editado pela Vozes que, durante o ano, publicava suas trovas,
adivinhações, curiosidades, palavras cruzadas que ele produzia à beira do rio Trombone na sua faina de encher e
vazar. Fez cursos por correspondência, elegeu-se, por várias legislaturas, vereador
, chegou à presidência da Câmara
Municipal de Cametá e aos sessenta anos, concluiu o ensino médio pelo método
modular em Vila do Carmo onde era líder comunitário, presidente da Festa do
Carmo, Cartorário e ávido leitor que
devorava os jornais que meu pai, toda semana, juntava e remetia pelas embarcações e que ele
lia, todos, de ponta a ponta, anotando e, pedindo livros que, agora ,era eu
quem o municiava.
Não tenho dúvida, tio
Jaime, grande humanista, foi e continua
sendo um dos meus influenciadores, espelho e exemplo de amor ao livro e à
leitura, ao saber, ao conhecimento, à
curiosidade, também exemplo de generosidade,
amor a Deus, ao próximo, à família, ao
ser cidadão.
Onde nos encontrávamos, tecíamos prosa interminável, igual a
que ele mantinha com tio David, seu primo
padre, e seus irmãos, notadamente meu
pai, Milton, num zelo fraterno, amoroso,
cheio de respeito, atenção , compreensão e carinho, afeto traduzido em estima e consideração que sempre percebi
existir entre os meus familiares, mamãe e seus irmãos e meu pai com os irmãos dele e isso entrelaçado de maneira tão profunda que
hoje me serve de exemplo e faz-me muita falta.
Além de sobrinho e afilhado, tornei-me como um filho do tio
Jaime e por isso, não era à toa que ele se empolgava com meus pequenos êxitos
no início de minha carreira de jornalista e sobretudo, a literária, que acompanhou com vivo interesse e muito orgulho, a partir
do final da década de 1960, ele já domiciliado e residente, de retorno,
à Vila do Carmo - onde
três gerações da família Larêdo
nasceram -, sempre sorrindo, alegre e
feliz como se eu, o sobrinho predileto e afilhado, fora o filho biológico que
ele e tia Nenê, sua mulher, nunca
tiveram.
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