Numa manhã ensolarada de junho – quase final do mês – no ( frutuoso,
impagável, poético, mágico e maravilhoso
recanto encantado desta amada e enfeitiçadora morena
chamada Belém ) Ver-o-Peso - sob as
águas do rio Guamá e a brisa da baia do
Guajará, com os sons das embarcações fluvioasfálticas e humanas
da Ilha das Onças ao Boulevard
Castilhos França, da Oriental à Ocidental dos mercados e entornos -, com minha mulher Maria Lygia, comprando
essa delícia chamada castanha-do-pará pra levar ao nosso filho Filipe, em São
Paulo, um senhor ao passar por nós,
perguntou:
- Você não é o
Salomão Larêdo, o escritor, o jornalista? E que é de Cametá?
- Sou!
- Muito prazer
em conhecer, me chamo Saveney e sou joalheiro, sabe? Aprecio seu trabalho de
escritor e gosto do modo carinhoso como escreve sobre Cametá e sua gente e há muito queria ter a honra de conversar
pessoalmente e agora que o vejo
aqui, tão perto , me deu coragem de abordá-lo
porque queria muito falar com
você pra que coloque nos seus escritos o
nome de um cametaense, seu conterrâneo, no meu entender, famoso e importante e que
ninguém sabe quem foi. Trata-se de João Pimenta do Prado Dias, o maior mestre joalheiro
que conheci.
- Já ouviu falar?
Respondi que não
e então Saveney, em pouco tempo, me
colocou a par da profissão de ourives que ele prefere denominar de joalheiro –
dá mais prestígio, confessa - e relatou seu aprendizado e o prazer de ter
conhecido grande nomes da profissão, sempre destacando o cametaense João Pimenta
como um gênio criativo da ourivesaria que se praticou no Pará nas décadas de
1950/1960/1970.
O papo corria
agradável sob a rica moldura veropesiana,porém,
precisava comprar outras iguarias pra levar ao Filipe e às vésperas da viagem, muita providência a tomar
e então acertei com Saveney o seguinte:
- Vou sair de
férias e passar a primeira quinzena do mês de julho com Filipe e o restante, em
Salinas. Na volta, prometo conversar com o senhor sobre este assunto que me
interessa saber e escrever, afinal não é todo dia que se topa com um ourives,
ou melhor, um joalheiro no Ver-o-Peso. Saveney, pra garantir o que eu prometia,
anotou meus contatos e claro, gravei o número
do seu celular e nos despedimos.
Fui sonhando com as
informações que poderia obter do futuro
entrevistado, referente a Belém, num determinado período , a respeito do
conhecimento que ele possa ter de como, no Pará, se desenvolveu a ourivesaria ,
arte milenar que passou pelos egípcios ,se
afamou na França com o premiado artesão
Charles Guillaume Biennais e se destacou
no século 18 com Dinglinger,
joalheiro da corte, enfeitiçando Caroline Murat, irmã de Napoleão e rainha de Nápoles, aformoseou ainda mais
madame Pompadour, princesa Grace Kelly , a moderna Jacqueline Kennedy e tanta gente famosa e se
popularizou em toda parte , inclusive em nosso meio e já planejava ouvir as
contações de seu Saveney antes de ir a Salinas. Mas, meu pai, Milton Larêdo, utilizando um “adágio popular” como ele
gostava de argumentar em sua
dialética para instruir
os filhos sobre a vida, neste
mundo, conforme nossa crença católica,
dizia que“ a gente propõe e Deus
dispõe”.
E no retorno de São Paulo tivemos a surpresa de que o glaucoma já fizera seus estragos na vista de Maria Lygia e então os planos
mudaram. Depois da cirurgia, quase no final do
mês de agosto, [1]Saveney
esteve em nosso apartamento pra falar de João Pimenta do Prado Dias seu mestre na arte
da ourivesaria; e, claro, aproveitei pra saber os acontecimentos da vida
de Saveney, também, que,
discreto, não queria aparecer, apenas
sublinhar o nome do amigo João Pimenta que foi seu mestre e continua seu ícone,
merecendo, ao menos de seus conterrâneos, o
reconhecimento e a visibilidade
,que, segundo Saveney, os artistas merecem.
O que
conversamos, o leitor pode fruir no texto abaixo.
-
Olha, tu não queres trabalhar com joia?
O
menino, mesmo sem saber do que se
tratava, não vacilou e respondeu, na
bucha: quero! Mas fale com o meu pai.
E
lá se foi o garoto, aos nove anos de idade, começar na profissão de
ourives com Julio Pascinio, maranhense, casado com dona Maria Amoras
Conceição, moradores, também da Passagem das Flores e que Saveney não conhecia
porque nasceu em Benfica[2]
- no dia 20 de agosto de 1943, filho de Pedro Nolasco dos Santos (natural de Benfica) e de
Luzia Oliveira dos Santos, que nascera em Icoaraci -, e lá
permanecera até completar sete anos de
idade e depois junto com seus oito irmãos, a família então mudou-se pra Belém e
veio morar primeiramente na Passagem
Boca do Acre e depois na Passagem das Flores.
O
pai permitiu que Saveney Santos fosse
iniciar o aprendizado, desde que não faltasse às aulas no Grupo Escolar Barão do Rio Branco, no bairro de Nazaré e
assim o garoto começou na oficina que
ficava na rua Manoel Barata, anexo à Joalheria Central, de propriedade do
alemão Paulo Muss.
Saveney
que não sabia o que era anel, cordão, enfim, uma joia e disse, sem pestanejar,
sim à profissão, agora se via mexendo com alicate e com as lamparinas que serviam de sopleto,
uma espécie de maçarico que os ourives, através de um tubo, colocavam na boca e
controlavam a solda que corria onde desejavam derreter e fixar o que o ourives
queria. Saveney compreendeu a serventia das demais ferramentas: lima, cilindro,
laminados e pegou habilidade com o portucho pra puxar o fio que rege a delicada
obra de arte.
-
O que faz quem começa?
-
Primeira função é aprender a soldar cordão, anel...
Corria
o ano de 1952/1953 e começou a moda das peças feitas com pau d’angola que seu Antonio (Saveney não recorda o nome
completo) português (nascido na África,
justamente em Angola), trouxe uma mostra
quando veio tentar a vida no Brasil e escolheu a cidade de Belém pra morar e
depois, recebia muitas toras de trinta centímetros da madeira que transformava em joias – figas, berloques – que
toda mulher queria ter pra usar e Antonio fazia , além de ser o fornecedor dessa matéria prima aos
colegas. Seu Antonio gostava de fazer peças clássicas e Saveney já se inclinava
para trabalhar peças modernas,
diferentes.
Mas,
Julio Pascinio achou melhor ir pra Santarém e Saveney saiu da oficina e tratou
de estudar para concluir o curso primário, com a idade de 12 anos e morando agora
na Vila dos Bancários, mas sempre no bairro do Telégrafo. Num dia, Saveney foi visitar sua irmã Norma e
a vizinha, a dona Esmeralda, uma mulher bonita, comentou com Norma que seu
irmão precisava de um garoto para ajuda-lo e “ o teu irmão, Norma, me parece no
jeito e tem , me pareceu, todo o traço de quem vai gostar de aprender a arte da
ourivesaria”. Norma riu e disse que o irmão já possuía iniciação na profissão e
então, Saveney conheceu Edpolo Moscoso (a mãe se chamava dona Manoela,
espanhola) cuja oficina funcionava na
travessa Primeiro de Março. Edpolo só trabalhava com pau d’angola.
-
E o que você decidiu, Saveney?
-
Fui. Era o destino - a profissão de ourives - batendo em minha porta, mais uma
vez.
O
atrativo na oficina do seu Moscoso, conta Saveney, é que ele dava, aos sábados, aos aprendizes, ajuda financeira e isso era uma boa motivação.
Depois
fui trabalhar na oficina do seu Pasquale Spinelli Novelino, homem alto, um
metro e noventa centímetros, que ficava
na rua Manoel Barata, em frente à Fábrica Palmeira, a maior oficina de joias. E essa se tornou então a
minha maior faculdade, pois ali era a nata das joias, seu Pasquale era
conhecedor de joias e fui um privilegiado, ele me ensinou os segredos da oficina e da
profissão. Nessa oficina conheci João Pimenta do Prado Dias, cametaense, que
sabia tudo.
-
Com quem ele aprendeu?
-
Seguramente com os ourives cametaenses,
ele chegou aqui pronto, artesão de
mão-cheia, já sabia tudo do oficio, da profissão de ourives, era mestre e dos
melhores que tivemos.
-
Qual a idade dele?
-Em
torno dos sessenta anos.
Era
um mestre nessa arte e foi sempre um operário consciente de seu saber, mas,
como bom artista, ficava nos bastidores, os outros brilhavam, ele era obscuro,
quieto, não aparecia. Era uma espécie de cônsul de Cametá, pessoa cordata,
amiga, eu sentava ao lado dele na oficina, era um grande fazedor de joias:
cordão, pulseira, bracelete,anel em ouro
e platina e eu aprendi com ele, por isso afirmo que minha faculdade foi ali.
Saveney
resolveu fazer o curso de contabilidade
estudando no colégio comercial Rui Barbosa, do professor Zacarias Paes
que depois foi administrado por Alberto
Papaleo Paes e em 1966 casou com
Lindomar da Costa dos Santos.
Em
1970, trabalhou com Jaime José Pontes, na joalheria Sul-Americana e com a responsabilidade de sustentar a mulher
e os três filhos, montou, em 1974,
negócio próprio, a “Oficina Ney”, nome
sugerido pelo amigo Lamartine Koury de Souza, que ficava na rua João Alfredo, 196, sala 11, centro
comercial de Belém.
Após
ter sido vítima de ladrões em sua oficina, Saveney mudou de endereço – que não
revela – e continua trabalhando na profissão de ourives, que prefere chamar de
joalheiro, atividade de onde sempre tirou seu sustento e de sua família,
inobstante revelar que nunca gostou da profissão. Não fui eu quem escolheu, fui
escolhido por ela.
-
Trabalhando com joias, ficou rico, Saveney?
-
Ourives não fica rico – responde - embora trabalhe com material e peças de
valor: ouro, brilhantes, pedras preciosas, esmeraldas, rubis...
-
E joias, tem ?
-
Fiz e dei algumas à minha mulher que foram vendidas quando tivemos o infortúnio de ser vítimas de furto
em nossa oficina , como relatei acima e passamos fase difícil e apertada, quase
não consigo me levantar, porque levaram tudo, tudo.
-
Na sua avaliação quais eram os maiores ourives de sua época?
Saveney
responde: João Pimenta, os irmãos Miralha, Pascoal Novelino, Raimundo Rosa (conhecido
como Duca), de Bragança, Antonio Venturieri (que era americano, descendente de
italianos).Olhe, tivemos grande ourives.
-
De onde provinha o ouro com que trabalhavam e quem garantia que a joia valia o
quilate contratado?
-
Bom, naquela época, todos os ourives compravam ouro na loja de seu Pedro
Galvão[3] , a
“Ouronorte”, que ficava ali na rua 13 de maio, seu Pedro era credenciado para
proceder o negócio de compra e venda de ouro, era pessoa super-honesta, homem
correto, íntegro, nunca se envolveu em negócio escuso, vendia ouro para os
ourives e para a área odontológica. Esse seu Pedro, se fosse locutor, faria
muito sucesso, tinha voz bonita e pronunciava bem as palavras, falava bem, boa
dicção em português compassado.
-E
a profissão, ainda tem futuro fazer joias?
-Enquanto
houver mulher no mundo, haverá joias, elas gostam, mas é coisa cara, objeto em
ouro é feito pra quem tem dinheiro, pois o valor é alto.
-
O senhor desenhava joias?
-
Não, não sou design.
-
Como se comportavam os ourives que o
senhor citou?
-
Todos presavam a profissão, andavam de palitó [terno]. João Pimenta era um home
elegante. Na oficina, estava com sua roupa de trabalho, mas quando encerrava o
expediente, ele envergava um palitó bem cortado, saía à rua sempre
bem composto, elegante, dava gosto ver como todos se trajavam e andavam. O cliente tratado com estima,
respeito, cuidado. A João Alfredo, o comércio todo, era elegante nas décadas de
1950/1960/1970 ,não havia marreteiros, era igual Paris, muito chique.
-
E hoje?
-
Olha, me desculpe, mas parece um chiqueiro, sujo, sem elegância, sem glamour,
acabou-se o centro comercial como espaço bonito de se ver, apreciar, andar,
comprar.
-Ainda
há bons ourives, hoje?
-Tivemos
grande ourives em Belém. Tenho saudade deles que eram autênticos, corretos,
você podia confiar no serviço, no trato, na peça, pois além da beleza,
qualidade, havia a certeza na matéria prima utilizada.
-E
o senhor?
-Continuo
trabalhando, além de permanecer na profissão, também recupero peças em prata,
como coroas e outros. Sou muito procurado por quem sabe o que é bom e quer
segurança e confiança no serviço.
Um comentário:
Salomão Larêdo, lendo seu artigo busquei na memória, os elefantes, os trevos, as figas, em fim, os berloques cheirosos feitos de pau de angola.Saveney deve saber o porque delas terem desaparecido do mercado joalheiro a ponto de não se encontrar referência neste alfarrábio moderno que é o Google. Ele diz que enquanto houver mulher haverá jóias e se unindo à beleza da peça o perfume porque o desaparecimento delas? Gostei muito do texto, da simplicidade do ourives e de ter recordado parte de minha infância. Obrigada
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